sexta-feira, 31 de julho de 2009

Com o fim da semana e o fim-de-semana chegam também ao fim os meus dias de transportes públicos. De transportes publicos e algumas boleias ao final do dia de uma colega que diz que eu sou a faísca num campo de palha seca e fica irritada porque lhe respondo que não consigo ver nisso outra coisa que não um elogio.
Devolvem-me o carro pronto. Quase. O tubo, o tal que é mais raro que pérolas em casca de ostra, ainda não foi encontrado e portanto, mais dia menos dia o carro volta à oficina e eu voltarei ao combóio. O restauro de um D. Élvira, com as suas peças arcaicas e décadas de história demora, mais ou menos, o mesmo tempo.
Pensava nisto enquanto me vinha à cabeça Gente humilde, de Vinicius de Moraes e observava as pessoas e o triste, desordenado, planeamento urbanístico que acompanha a linha férrea da viagem até Massamá, feita com um travo de melancolia de quem já se começava a aperceber das rotinas das viagens feitas, religiosamente, todos os dias, às mesmas horas, numa sensação de dejá-vu contínuo:
O homem de calções e camisola preta de manga à cava, cheiro a perfume acabado de pôr, tirante de ouro e pêlos de fora com quem me cruzo na Rua de Stª Apolónia junto à ex-Quinta dos Peixinhos; o casal que se despede na estação de metro do Jardim Zoológico em longos beijos de bico de pássaro, até ao piin-piin das portas das carruagens a fechar, como que a sentenciar: acabou o tempo, cada um pra seu lado; A preta gorda de gestos voluptuosos dentro da sua farda de mulher da limpeza encostada a uma parede da estação de Barcarena enquanto espera não sei quê; o homem, com sotaque de imigrante retornado, do meu primeiro café da manhã que a cada duas a três palavras repete a palavra "senhor" — bom dia senhor, senhor o que vai ser senhor, mais alguma coisa senhor, volte sempre sr. Volto. Claro que volto. Sempre que o tubo estiver para dar o ar da sua graça, eu volto.
Prá semana a outra rotina volta. Mas de carro. Outras caras, outra situações:
O dono da taberna que varre as beatas da porta para a paragem do autocarro às 7.30h da manhã; o senhor do café, que não me trata por senhor, apaga o cigarro e entra pra dentro para tirar um café mal me vê a fechar a porta da rua; a mulher que toma o pequeno almoço e todos os dias corta nas colegas com quem vai estar dali a vinte minutos, ao senhor do café, que eu trato por senhor;
(e agora sou eu que repito senhor)
a dona do Retrivier que o passeia e me diz bom dia naquele ar de matriarca decidida; o transito da 2ª circular e o filho da puta-cabrão-do-caralho que passa o traço continuo na sua velocidade de empata-fodas e que porventura estará agora a escrever no seu blog que: "um filho da puta-cabrão-do-caralho passa o traço continuo na sua velocidade de empata-fodas"; e ao chegar ao trabalho, cada um no seu dia: o porteiro de cabelo pintado e aperto de mão gelatinoso; o porteiro brasileiro meio florzinha, de sapatos três números a cima, com a sua sempeterna boa disposição qu' até irrita; o outro porteiro brasileiro na sua cor de peão-boiadeiro e ar de bufo do patrão;
a todos digo Bom Dia.
E o dia começa.

Where The Wind Turns The Skin To Leather

1. put your itunes / ipod (or your mp3 player of choice) on shuffle. 2. for each question, press the next button to get your answer; 3. YOU MUST WRITE THAT SONG NAME DOWN NO MATTER HOW SILLY IT SOUNDS!).
IF SOMEONE SAYS "IS THIS OKAY" YOU SAY?
We'r Not Going Back. The Housemartins. Se está Ok, voltar atrás pra quê?

WHAT WOULD BEST DESCRIBE YOUR PERSONALITY?
Pastime Paradise. Patti Smith cover.
WHAT DO YOU LIKE IN A GUY/GIRL?
Left Behind. Zero 7. Sou um perverso.
WHAT IS YOUR LIFE'S PURPOSE?
Lover. Dave Brubeck. Sem sucesso, diga-se.
WHAT IS YOUR MOTTO?
Baby. Gal Costa. Nem tanto, nem tanto...
WHAT DO YOUR FRIENDS THINK OF YOU?
Tumbling Dice. Rolling Stones. Entre outras coisas piores.
WHAT DO YOU THINK ABOUT OFTEN?
Prenda Minha. Caetano Veloso.
WHAT IS 2+2?
O pastor. Madredeus. humm...não gosto desta. O pastor? na montanha; e depois aparece outro pastor e está frio. Onde é que já vi isto?
WHAT DO YOU THINK OF YOUR BEST FRIEND?
Salmo II. Da Weasel.
WHAT DO YOU THINK OF THE PERSON YOU LIKE?
Nowhere Fast. The Smiths.
WHAT IS YOUR LIFE STORY?
Feelin' Good (Joe Claussell Remix). Nina Simone. Mais do que a maioria do mundo. menos do que gostaria.
WHAT DO YOU WANT TO BE WHEN YOU GROW UP?
A Tonga Da Mironga Do Kabuleté. Vinicius de Moraes. Sem síndroma de Peter Pan, mando todos pra lá com votos de muitas felicidades.
WHAT DO YOU THINK WHEN YOU SEE THE PERSON YOU LIKE?
I'll Be your Mirror. Lou Reed. À sua imagem e semelhança.
WHAT DO YOUR PARENTS THINK OF YOU?
Suburbia. Pet shop boys. suburbano??? eu??!!
WHAT WILL YOU DANCE TO AT YOUR WEDDING?
The 59th Street Bridge Song (Feelin' Groovy) (Album Version). Simon & Garfunkel. Porque não? Já há musica, falta o resto...
WHAT WILL THEY PLAY AT YOUR FUNERAL?
Easy Living. Bryan Ferry. Nada como uma ironia para acabar.
WHAT IS YOUR HOBBY/INTEREST?
A novidade. Gilberto Gil. É uma demanda constante.
WHAT DO YOU THINK OF YOUR FRIENDS?
Going, Going, Gone. Stars. Mea culpa, o defeito é meu.
WHAT'S THE WORST THING THAT COULD HAPPEN?
A filha da Chiquita Bacana / Chuva, suor e cerveja. Caetano Veloso. Se isto é o pior, aguardo ansiosamente o melhor.
HOW WILL YOU DIE?
Não Identificado. Gal Costa. Xiii, vai ser em grande. Vou comprar uma caixa negra pra colocar debaixo das costelas.
WHAT IS THE ONE THING YOU REGRET?
O Porto Aqui Tão Perto. Sergio Godinho. e ainda não conhecer Serralves.
WHAT MAKES YOU LAUGH?
Eu vim da Bahia. João Gilberto. É mais imaginar que um dia ainda vou lá.
WHAT MAKES YOU CRY?
Ne Me Quitte Pas (If You Go Away). Nina Simone.
WILL YOU EVER GET MARRIED?
No Woman No Cry (live). Bob Marley. Não chores, talvez um dia...
WHAT SCARES YOU THE MOST?
Super Cool. Carrie Riley & The Fascinations
DOES ANYONE LIKE YOU?
Esoterico. Gilberto Gil.
IF YOU COULD GO BACK IN TIME, WHAT WOULD YOU CHANGE?
You My Lunar Queen. Cousteau
WHAT HURTS RIGHT NOW?
When Tommorrow Comes. Eurythmics. Sim, há amanhãs muito difíceis. Amanhã é um deles, com sardinhas, vinho verde, sol e a família reunida. Oh como vai doer...

WHAT WILL YOU POST THIS AS?
Where The Wind Turns The Skin To Leather. Arizona Amp And Alternator. A brisa do mar mais o classic brown sob a minha pele vão dar-lhe aquele tom de cabedal curtido que as fazem mandarem-se todas pró chão.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Sento-me numa carruagem, idêntica à do comboio que passa agora a roçar as costas da minha cadeira, e a páginas tantas: Lá em casa como em todas as boas casas, na presença de empregados os assuntos de família se tratavam em francês, se bem que, para mamãe, até me pedir o saleiro era assunto de família. (Leite derramado, Chico Buarque).
Os benefícios do transporte público são tantos que até servem para sacudir a primeira camada de pó fino que estaria a assentar na capa do livro caso o meu carro já tivesse o malfadado tubo que o prende na oficina há duas semanas. Deve vir da NASA. O tal tubo. Em duas semanas já eu tinha comprado não um tubo mas um carro inteiro.
Chego a Massamá com quatro capítulos cheios de ironia fina já lidos de supetão, bebo um café, na televisão o Rui Costa apresenta mais um reforço para o Benfica e sublinha que o plantel não está fechado. No Benfica os reforços chegam como a chuva cai num dia de inverno, copiosamente e em força, numa cadência certeira — um por dia — a fazer lembrar um relógio suíço. Como mau adepto (adepto não, simpatizante, apesar das tentações provocatorias que por aí andam para me tornar sócio) vou ter que fazer uma cábula para inteirar dos nomes e ter uma participação mais activa nas conversas de café. Se não olha, fico calado, rio e bebo mais uma.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Montra Perfeita

Vinil 33rpm, com tudo o que alguém precisa para ser melómaniacamente feliz: Caetano Veloso, The Smiths e Paul Simon.
No meio disto parece que está por lá um disco do Prince e outro dos Madness. Menos mal.
loja el dourado. Bairro Alto.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Quando as circunstâncias me obrigam a pensar em mim encontro um homem tão azelha com os sentimentos como outros são desajeitados com as mãos. Não sou capaz de enroscar um parafuso de ternura sem que a chave me escape e a menor martelada de impaciência é os meus dedos que aleija.
António Lobo Antunes, Segundo livro de crónicas.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Filosofia popular

Ou como diria a minha mãe: o tempo está sem cagar certo.

Sta Apolónia - 6.50am

Quando ando de carro, quase sempre a viagem é mais rápida, mas o tempo que perco é infinito. Quando ando a pé e de transportes públicos, as viagens são mais longas, mas ganho muito mais tempo e prazer. Consegui avançar na leitura do livro que anda há meses dentro da mala e cuja leitura avança a passo de caracol, li, finalmente, a revista que andava lá por casa aos trambolhões há duas semanas e que julguei que tivesse que juntar com a leitura da edição do mês seguinte; e ainda tive tempo para parar pelo caminho e reter mais umas imagens.

IC1 - sentido Lisboa - Algarve

Afinal parece que é possível viver em comunidade.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

C'est une chanson.

Touradas.

Não há volta a dar. São os assuntos do dia e no fundo o cristalino espelho da nação.
"A câmara não tem seriedade. Quem não viu ainda uma sessão? Aí o sussurro, o barulho, a confusão são perpetuados. Vota-se sem saber o que se discutiu, e continua-se a conversar. As questões pessoais estão constantemente na ordem do dia. Insultam-se os partidos contrários. Cruzam-se desmentidos. Entra em cena a alusão pungente e o escárnio. A câmara tem apoiados que são apupos, outros que são insultos! Estabelecem-se a cada momento diálogos, ironias, motejos, graçolas. Uma luz bastarda cai sobre aquilo. E das galerias o público assiste ao espectáculo, melhor diríamos ao escândalo". Podia ter sido escrito hoje, vá lá, talvez ontem no máximo, mas não, já tem 140 anos. Eça e as Farpas continuam actuais e não há plano tecnológico, aeroporto, TGV etc, etc, que contrarie o quanto continuamos estupidificados e não evoluímos como povo. Parece que fazemos gala em ser assim, com um gosto especialmente pernicioso de nacional porreirismo com que empurramos, lentamente, este país com a barriga para a frente.
Sempre a proporcionar grandes espectáculos fora do campo continua o Benfica. Este imbróglio à volta das eleições, não dignificam a grandeza de uma das maiores (sim eu sei, até custa a crer é irrefutável, apesar de tudo) instituições do país. Golpes palacianos, compra de jogadores, de treinador, empréstimos, processos e contra-processos a impugnar eleições. E se por mera hipótese académica não fosse Vieira o vencedor? O que fazer com a catrefa de jogadores, treinador e contratos a longo prazo assinados e programados em plena campanha eleitoral? Enfim, pertenço à grande minoria silenciosa que nem tem voto na matéria, mas se envergonha por todos os dias ver o Benfica a ser tratado e ridicularizado na praça pública como uma mera colectividade de bairro. A tourada é geral. Nada como assistir de camarote. À sombra, por favor.

P.S.:

Não o partido, desse falamos mais tarde. O Post Scriptum:
Vou dormir. Tentar. A passarada anuncia o dia e este não é o meu registo. As horas que durmo, gosto de as dormir de noite. Esta, por norma, é a hora que eu começo não a que acabo (tudo desculpas, a verdade, verdadeira é que não gosto de chegar a casa a esta hora sozinho). Sabe bem quebrar a rotina. Outra gente, outras conversas, enfim, não bebi o suficiente para gozar o momento na sua plenitude. É difícil baixar a guarda. Mexi o cadáver o bastante para me desempenar as costas.
Já volto.

.:

Acabei de chegar a casa, bebi umas cervejas. Vejo o sol a fazer um efeito neon enquanto tenta nascer entre o nebuloso céu e o imenso Tejo. E lembrei-me de ti. Sejas lá quem foste. Navego na net e divago. Vejo imagens de banhos de mar e sinto falta. Os dias apetecem, mas esperemos. O que é nosso está guardado, tenhamos fé. Sinto saudades daquele fim-de-semana não vivido, sentido. Dividimos a praia, o sal, o vinho. Partilhámos o livro, ouvimos a mesma canção. Dançámos, languidamente, sob a luz amarela daquela imagem tão kitch do pôr-do-sol da praia. Mas tu sabes que eu gosto de luzes amarelas e de fotografias do pôr-do-sol. E já agora, do nascer. Não sabes, mas eu digo-te. Jantámos, vimos a noite. Perdemos a noite (eu acho que a ganhámos) falámos de nada e lembro-me tão bem, silenciámos tudo. Passámos as horas entre sexo ávido e amor dolente, como pedia aquele ar quente e húmido em que me refresquei no teu suor salgado. Eu sei, é imagem de romance de estação de serviço de auto-estrada, mas não há outra maneira de dizê-lo. Acabou como tinha começado, daquela maneira fugaz e absoluta das coisas às quais não podemos fugir, sem amanhã, sem isto nem aquilo. Só pelo prazer de, finalmente, não fazer o que está certo.