sábado, 13 de fevereiro de 2010

Eu gosto de samba mas não gosto de carnaval. Corrijo; gosto de samba mas não gosto do carnaval português, acho ridículo e sem graça. No Brasil não deixaria o samba morrer por cá, se fosse gaja, seria a Madame da canção. As lontras em fato de banho com pele de galinha arrepiada sem pé para sambar. Peseudo-passistas. Nada pior que uma imitação quando não se pode ter o verdadeiro. Sonho com o dia em que hei-de ir ao carnaval da Bahia. Você já foi à Bahia, nega? não? então vá! . Eu vou atrás. Se bem que hoje, depois de ver uma mulata, com as mamas que mais me apeteceram morder nos últimos tempos (e nos últimos tempos, o que me tem apetecido morder mamas!) a ser entrevistada sobre qual dos galãs da novela devia ficar com a protagonista, tive logo vontade de trocar o bilhete de avião e seguir para o Rio e procurar nas praias do calçadão aquela menina preta de biquini amarelo no meio da onda. Na dúvida fico por cá a servir de assistente social e pôr o meu pai a cagar na cadeira-penico enquanto vou teclando umas merdas sobre carnaval e pretas de carnes rijas e bundas largas.
Vai-lhe a minha mãe limpando o cu, e meto eu outro parágrafo antes de rebentar (mais) um bocado as costas no transbordo entre o penico-com-rodas e o sofá, onde está agora de olhos fechados debaixo de um cobertor e com o aquecedor a óleo quase no meio das pernas. Para acabar os jogos sem fronteiras do dia, ainda estava eu a meio desta frase e já me esperava a tarefa hercúlea de, neste espaço acanhado de duas assoalhadas o voltar a pôr na cama do quarto atulhado de cobertores para não morrer de frio. Entretanto, enquanto me preparo para desligar esta merda, já se canta em frente, na tasca do chico, a tvi já vai na terceira novela sem tirar fora e a passarada chilreia em resposta ao ressonar da minha mãe. Morta de cansaço no sofá. E hoje ainda é sábado.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A nada imploram tuas mãos já coisas,
Nem convencem teus lábios já parados,
No abafo subterrâneo
Da húmida imposta terra.
Só talvez o sorriso com que amavas
Te embalsama remota, e nas memórias
Te ergue qual eras, hoje
Cortiço apodrecido.
E o nome inútil que teu corpo morto
Usou, vivo, na terra, como uma alma,
Não lembra. A ode grava,
Anónimo, um sorriso.
Ricardo Reis, Odes.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

A perversidade da vida é que começamos a morrer assim que saímos daquele pequeno universo liquido em que fomos gerados. Felizmente, se a vida correr dentro de alguma normalidade, seja lá o que isso for, e com alguma sorte, é possível chegar á idade adulta (que idade é essa? conheço velhos de 10 anos e adolescentes na idade da prateleira quase com 40 ou mais) com uma sensação saborosa de uma ingénua infinitude, própria da idade. Lembro-me de também pensar que sim, que temos todo o tempo do mundo e que isto nunca vai acabar. Ou se calhar não me lembro nada, penso apenas que pensava, porque na realidade, e por isso a imortalidade, nada disso me passava pela cabeça. Tinha mais em que pensar: na carcaça besuntada com margarina Flora e carregada de açúcar amarelo em casa da avó, no berlinde abafado, nas escondidas no beco, nas guerras de canudos, na bola que não sabia jogar; em como fugir para ir pescar tainha na doca, e em como me aguentar sem corar de vergonha, com outra chavalada mais afadistada lá do bairro, na prova de fogo do bate-pé. Do que me lembro, e disso tenho certeza, foi do momento em que perdi essa inocência e pensei, é pá, isto talvez não dure sempre. Esse momento, comum a todas as pessoas em algum momento da vida, é o momento em que pela primeira vez damos importância ao desaparecimento físico de alguém, e em que de repente o vazio, em que de repente vislumbramos, mesmo que muito ao longe e de forma muito ténue, o nosso próprio fim. Mesmo que não o vejamos, ou simplesmente o recusemos a ver, sabemos que ele está lá. Olho para o meu pai e é nisto que penso. Qual o caminho que estará reservado para mim. Que merda de caminho lhe reservaram para ele. Vejo a multidão de pessoas à volta dele e faz-me impressão aquela espécie de velório em vida. Sem dialogo, apenas uma silenciosa troca de olhares, entremeada com conversa de ocasião. Comeu, dormiu bem, tem dores, e por vezes apenas um aceno de cabeça e um olhar mortiço como resposta.
Está saturado, eu também estaria. Dia e noite, ora na cama, ora na poltrona do hospital, dentro daquela enfermaria onde nenhum melhor que ele, tubos e mais tubos, dores e mais dores, familiares a chorar para cima dos seus doentes, é este o cenário que tem pela frente, tipo futuro premonitório do que lhe espera, enquanto ocupado com os pensamentos que lhe consomem a vida. Com a sua autonomia completamente perdida, sente que perdeu também a sua dignidade, imagino como se deve sentir envergonhado e revoltado, por lhe mudar a fralda, po-lo a urinar, deita-lo na cama e dar-lhe comer à boca quem já dele, naquela velha infância, dependeu para fazer isso. A perniciosa inversão de papeis. Por muito que se relativize o momento, qualquer pai dispensaria a necessidade de o seu o filho o pôr a mijar ou de lhe dar a sopa à boca.
Agora que se avista o cais de partida, não restará muito mais que acompanha-lo, serenamente, até que decida embarcar na viagem que, acredito, o libertará desta vida que já não quer e da qual há muito tempo, julgo que em consciência, desistiu.