sábado, 13 de outubro de 2012

Classico instantâneo

Pausa para café

Volto com gosto confesso às tardes de café em casa, são sinónimo de clausura, estudo e recensão. Este, espero, será o ultimo primeiro semestre desta aventura que começou e se propiciou, devido ao infortúnio de uma perda pela qual todos os gratos e amados deste mundo lembram, com eterna saudade, no escaninho da alma, até ao fim dos seus dias.


domingo, 2 de setembro de 2012

(…) Além do mais, a solidão de um ao lado do outro, ouvindo música ou lendo, era muito maior do que quando estávamos sozinhos. E mais que maior, incómoda. Não havia paz. Indo depois cada um para seu quarto, com alívio nem nos olhávamos. (…)
[Clarice Lispector, Contos de]


Quem?!

(…) O misantropo detesta a pieguice, a frase feita, a bondade usada na lapela, as criaturas que acordam bem-dispostas, as alegrias compulsivas, as festas exibicionistas, o conformismo burguês, o tédio da conjugalidade, o tribalismo. Daí as suas dificuldades com a vida familiar (o verdadeiro misantropo dificilmente se casa), com a vida pública, sobretudo a política, a feira das vaidades mundanas, com os consensos fabricados. Um misantropo é um pessimista, muitas vezes cínico, mas as suas reacções são com frequência fruto da impaciência, de uma intolerância intelectual e ética.(…)

[Pedro Mexia, O mundo dos vivos]


Velho e cheio de cãs e rugas também ele era, não de anos, mas de penas e de trabalho.
[Alexandre Herculano, A Dama pé-de-cabra]


insustentável

Depois de quatro anos passados em Genebra, Sabina vivia em Paris e nunca mais se recompunha da sua melancolia. Se lhe perguntassem o que lhe acontecera, não teria palavras para o dizer. Pode explicar-se o drama de uma vida através da metáfora do peso. Costuma dizer-se que nos caiu um fardo em cima. Carregamos esse fardo, suportamo-lo ou não o suportamos. Lutamos com ele, perdemos ou ganhamos. Mas o que acontecera ao certo a Sabina? Nada. Deixara um homem porque queria deixá-lo. Esse homem tinha vindo atrás dela? Tinha querido vingar-se? Não. O seu drama não era o drama do peso, mas o da leveza. O que se abatera sobre ela não era um fardo, mas a insustentável leveza do ser.

[Milan Kundera, A insustentável leveza do ser]

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O gato preside a tudo pelos telhados pelos telhados do Cais do Sodré. Tirando o Rodrigo, nenhum lisboeta diz Cais do Sodré, assim, com as letras todas, quase soletradas, como no fado. Em Lisboa, abreviado, e com pressa, diz-se, e bem, caixedré, ou, vá lá, caixodré. Mas disto o gato não se ocupa. Odeio gatos. Acho-os lindos, até dois metros, de resto mijam, cagam, miam a altas horas irritantemente pelos quintais. E depois, aquela elegância snob, pé ante pé, ou pata ante pata, muita gente havia de aprender a andar com os gatos, ver como eles fazem e treinar em casa antes de sair pra rua. Mas disto o gato não se ocupa. O gato que a tudo preside p'las janelas do caixedré, vi-o terça passada, depois de sair do Musicbox do concerto dos Destroyer. Não sei o que achou o gato, se se deu ao trabalho de ouvir o concerto, ou se mirava, indiferente, a movida caixedriana com os novos bafons de gente indie-qualquer-coisa – que se queixava da crise, do Relvas e do Socrates enquanto esperava na fila para entrar, e pagar, no bar da moda – e estrangeiros escaldados do sol, porta com porta com os velhos bares do putareu que ainda vai ocupando as esquinas da rua Nova do Carvalho. Sei que ele lá estava, eu já no carro parado no sinal vermelho, ele naquele passo dolente, no beiral da água furtada de telhado preto, do prédio de um azul novo, marinho profundo, ao lado do British Bar. Quem leu Cardoso Pires percebe porque naquela noite já só um bêbado, equilibrista de si mesmo, falava de braços abertos para as cadeiras arrumadas em cima das mesas e chão passado a rodo. O gato que a tudo preside, segue indiferente a isto, nada o distrai das rondas nocturnas pelos telhados do caixodré. Nada, excepto, talvez, o bater da janela esconsa com bicho da madeira, dum ultimo andar de uma velha antiga – todos os velhos são antigos, mas a partir de certa idade, de tão velhos, os anos deixam de contar, ficam ainda mais antigos e o pleonasmo deixa de ser, aparentemente, redundante – donde emana o cheiro a mijo, também ele já antigo, de quem já não tem quem ou porquê se lavar. Os Destroyer tocaram dia 17 no Musicbox, o ultimo disco, Kapput, o melhor e mais singular da banda, não é reproduzível em palco.

O Futuro não passa aqui.

A pessoa predispõe-se a perder duas horas, no mínimo para ser simpático, de filas dominicais a atravessar a ponte, com o intuito de aproveitar um dos melhores dias de praia deste querido mês de agosto, com o restante povaréu cá do burgo, para ficar em chill out no meio de Lisboa, numa sala de cinema com ar condicionado e leva um barrete monumental (curiosamente a sala de cinema escolhida) com uma das piores estucha que vi na vida. Ou deixem as drogas ou mudem de fornecedor. Por muito que se tente estar desperto para díspares abordagens ao cinema, é impossível, onde a critica vê poética e uma fábula moderna, ver qualquer coisa mais do que noventa minutos de pura ataraxia. Valeram os olhos azuis da protagonista e também realizadora, e em paralelo a descoberta do seu site.





segunda-feira, 23 de julho de 2012

i will see you in a far off place


Kaputt. O que o gato não fez.

O gato preside a tudo pelos telhados pelos telhados do Cais do Sodré. Tirando o Rodrigo, nenhum lisboeta diz Cais do Sodré, assim, com as letras todas, quase soletradas, como no fado. Em Lisboa, abreviado, e com pressa, diz-se, e bem, caixedré, ou, vá lá, caixodré. Mas disto o gato não se ocupa. Odeio gatos. Acho-os lindos, até dois metros, de resto mijam, cagam, miam a altas horas irritantemente pelos quintais. E depois, aquela elegância snob, pé ante pé, ou pata ante pata, muita gente havia de aprender a andar com os gatos, ver como eles fazem e treinar em casa antes de sair pra rua. Mas disto o gato não se ocupa
 O gato que a tudo preside p'las janelas do caixedré, vi-o terça passada, depois de sair do Musicbox do concerto dos Destroyer. Não sei o que achou o gato, se se deu ao trabalho de ouvir o concerto, ou se mirava, indiferente, a movida caixedriana com os novos bafons de gente indie-qualquer-coisa – que se queixava da crise, do Relvas e do Socrates enquanto esperava na fila para entrar, e pagar, no bar da moda – e estrangeiros escaldados do sol, porta com porta com os velhos bares do putareu que ainda vai ocupando as esquinas da rua Nova do Carvalho. Sei que ele lá estava, eu já no carro parado no sinal vermelho, ele naquele passo dolente, no beiral da água furtada de telhado novo, do prédio de um azul novo, marinho profundo, ao lado do British Bar. Quem leu Cardoso Pires percebe porque naquela noite já só um bêbado, equilibrista de si mesmo, falava de braços abertos para as cadeiras arrumadas em cima das mesas e chão passado a rodo.
O gato que a tudo preside, segue indiferente a isto, nada o distrai das rondas nocturnas pelos telhados do caixodré. Nada, excepto, talvez, o bater da janela esconsa carcomida do bicho da madeira, dum ultimo andar de uma velha antiga – todos os velhos são antigos, mas a partir de certa idade, de tão velhos, os anos deixam de contar, ficam ainda mais antigos e o pleonasmo deixa de ser, aparentemente, redundante – donde emana o cheiro a mijo, também ele já antigo, de quem já não tem quem ou porquê se lavar. Os Destroyer tocaram dia 17 no Musicbox, o ultimo disco, Kaputt, o melhor e mais singular da banda, não é reproduzível em palco.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Sobre poemas de Sophia

Sujámos "O dia inicial inteiro e limpo", acusámos "Com fúria e raiva" o demagogo, o tal, que "diz da verdade a metade E o resto joga com habilidade". A cada Abril "recomeço a busca De um país liberto De uma vida limpa E de um tempo justo". Mas no fundo, passará mais um ano, em que, mansamente, apenas "iremos paralelamente Relembrar e chorar como um verão ido O país linear e transparente" que nunca foi.
"Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro" e não o vendo, ainda assim lhe peço: "Que o tempo que nos deste seja um novo Recomeço de esperança e de justiça" para esta gente.
Esta gente! "que tem o rosto desenhado por paciência e fome É a gente em quem Um país ocupado Escreve o seu nome". Esta gente!
Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre



ás voltas com Cartier-Bresson



domingo, 29 de janeiro de 2012

Público II

Porque se fala do melhor albúm para ir até ao fim do inverno.

Público I

No Público, os cavaquistas só são "proeminentes" quando servem para atacar o governo e usar o "pobre" Cavaco como bode expiatório. Não há "proeminentes cavaquistas", talvez um ou dois, descontando o próprio Cavaco, o menos cavaquista dos cavaquistas, e a haver, estão todos, desconfio eu, demasiado ocupados a tratar da sua vidinha e das suas mordomias conquistadas com sangue, suor e lágrimas, de todos, à excepção dos próprios. Ser cavaquista nunca foi um adjectivo que orgulhasse alguém, embora seja, sem duvida muito proveitoso.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Cohen 2012: O ano é negro, mas há sempre um buraco por onde a luz entra

i don’t smoke no cigarette, i don’t drink no alcohol
i ain’t had much loving yet
but that’s always been your call
hey i don’t miss it baby
i got no taste for anything at all