segunda-feira, 23 de julho de 2012

i will see you in a far off place


Kaputt. O que o gato não fez.

O gato preside a tudo pelos telhados pelos telhados do Cais do Sodré. Tirando o Rodrigo, nenhum lisboeta diz Cais do Sodré, assim, com as letras todas, quase soletradas, como no fado. Em Lisboa, abreviado, e com pressa, diz-se, e bem, caixedré, ou, vá lá, caixodré. Mas disto o gato não se ocupa. Odeio gatos. Acho-os lindos, até dois metros, de resto mijam, cagam, miam a altas horas irritantemente pelos quintais. E depois, aquela elegância snob, pé ante pé, ou pata ante pata, muita gente havia de aprender a andar com os gatos, ver como eles fazem e treinar em casa antes de sair pra rua. Mas disto o gato não se ocupa
 O gato que a tudo preside p'las janelas do caixedré, vi-o terça passada, depois de sair do Musicbox do concerto dos Destroyer. Não sei o que achou o gato, se se deu ao trabalho de ouvir o concerto, ou se mirava, indiferente, a movida caixedriana com os novos bafons de gente indie-qualquer-coisa – que se queixava da crise, do Relvas e do Socrates enquanto esperava na fila para entrar, e pagar, no bar da moda – e estrangeiros escaldados do sol, porta com porta com os velhos bares do putareu que ainda vai ocupando as esquinas da rua Nova do Carvalho. Sei que ele lá estava, eu já no carro parado no sinal vermelho, ele naquele passo dolente, no beiral da água furtada de telhado novo, do prédio de um azul novo, marinho profundo, ao lado do British Bar. Quem leu Cardoso Pires percebe porque naquela noite já só um bêbado, equilibrista de si mesmo, falava de braços abertos para as cadeiras arrumadas em cima das mesas e chão passado a rodo.
O gato que a tudo preside, segue indiferente a isto, nada o distrai das rondas nocturnas pelos telhados do caixodré. Nada, excepto, talvez, o bater da janela esconsa carcomida do bicho da madeira, dum ultimo andar de uma velha antiga – todos os velhos são antigos, mas a partir de certa idade, de tão velhos, os anos deixam de contar, ficam ainda mais antigos e o pleonasmo deixa de ser, aparentemente, redundante – donde emana o cheiro a mijo, também ele já antigo, de quem já não tem quem ou porquê se lavar. Os Destroyer tocaram dia 17 no Musicbox, o ultimo disco, Kaputt, o melhor e mais singular da banda, não é reproduzível em palco.