domingo, 2 de setembro de 2012

(…) Além do mais, a solidão de um ao lado do outro, ouvindo música ou lendo, era muito maior do que quando estávamos sozinhos. E mais que maior, incómoda. Não havia paz. Indo depois cada um para seu quarto, com alívio nem nos olhávamos. (…)
[Clarice Lispector, Contos de]


Quem?!

(…) O misantropo detesta a pieguice, a frase feita, a bondade usada na lapela, as criaturas que acordam bem-dispostas, as alegrias compulsivas, as festas exibicionistas, o conformismo burguês, o tédio da conjugalidade, o tribalismo. Daí as suas dificuldades com a vida familiar (o verdadeiro misantropo dificilmente se casa), com a vida pública, sobretudo a política, a feira das vaidades mundanas, com os consensos fabricados. Um misantropo é um pessimista, muitas vezes cínico, mas as suas reacções são com frequência fruto da impaciência, de uma intolerância intelectual e ética.(…)

[Pedro Mexia, O mundo dos vivos]


Velho e cheio de cãs e rugas também ele era, não de anos, mas de penas e de trabalho.
[Alexandre Herculano, A Dama pé-de-cabra]


insustentável

Depois de quatro anos passados em Genebra, Sabina vivia em Paris e nunca mais se recompunha da sua melancolia. Se lhe perguntassem o que lhe acontecera, não teria palavras para o dizer. Pode explicar-se o drama de uma vida através da metáfora do peso. Costuma dizer-se que nos caiu um fardo em cima. Carregamos esse fardo, suportamo-lo ou não o suportamos. Lutamos com ele, perdemos ou ganhamos. Mas o que acontecera ao certo a Sabina? Nada. Deixara um homem porque queria deixá-lo. Esse homem tinha vindo atrás dela? Tinha querido vingar-se? Não. O seu drama não era o drama do peso, mas o da leveza. O que se abatera sobre ela não era um fardo, mas a insustentável leveza do ser.

[Milan Kundera, A insustentável leveza do ser]