segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Estás a ficar velho. Está, a ficar velho. Nunca o tratei por tu, não será aqui e agora. A sua educação beirã provinciana, nunca o permitiu. Hoje, já não me irrita e confesso que até acho piada à singularidade, nestes tempos em que, tu cá, tu lá. Sou dos poucos que conheço que tratam os iguais a si por você. Enfim, descontando os tios de Cascais, mas a nossa realidade é outra. Essa mesma educação que não permite o trato por tu, não permite a largueza de gestos. Um abraço, um braço por cima do ombro, um beijo a propósito de nada, apenas porque sim. Olho-o, e sinto que talvez quisesse e esperasse mais, mas também eu me habituei a ficar curto de gestos, tento recuperar essa faculdade, mas por vezes, não me sai natural. No fundo, sou "simplesmente o produto, do meio onde fui criado". Observo-o, e trinta e três anos depois de o conhecer, por vezes paro e olho-o, e vejo com certa melancolia, o homem em que se tornou. Vejo-lhe as rugas, os olhos empapados, e vem-me à cabeça, em retrospectiva, a sua cara bem mais novo, da minha memória de infância, da sua dinâmica para a luta da lida, da sua determinação para o trabalho, para os trabalhos, vários, ao mesmo tempo. Sei os porquês dessa angustia em que se tornou a sua vida, das preocupações, da tristeza, da revolta, mas não compreendo e custa-me a aceitar que queira viver o outono dos seus dias a definhar nesses pensamentos. Leio-o nos seus olhos. Olhos de um amor angustiado, de quem gostaria de proteger e dar mais, mas sabe que não pode. Como eu sei, e lhe agradeço. Agradeço-lhe, come se todos os dias me ofereçe-se o mundo. Basta-me que me olhe. Não lhe posso dizer, "não se preocupe", já lho disse tantas vezes e sei que não vale a pena. Deve ser assim, suponho eu. Tento compreender a sua razão. Talvez se um dia, se me for dada a graça de estar no seu lugar, eu o entenda por fim. Acho que o seu problema é amar demais. Já viu bem, afinal nem tem razões para estar nesse constante desespero. Como eu gostava que aproveitasse melhor a vida sem estar sempre á espera que algo nos aconteça. Eu sei, por diversas vezes, já tive que lhe dar razão e reconheço que se não fosse tão previdente, os tropeções seriam quedas difíceis de resolver. Também eu ando angustiado, comecei a perceber que nada, e infelizmente, ninguém é eterno, e a percepção de finitude, de coisas (lato senso) e pessoas é uma realidade à qual não podemos fugir. Percebo-o agora à medida que os anos passam, e que também eu, já olho para o retrovisor e vejo alguma estrada andada.